domingo, 17 de outubro de 2010

espantar os espíritos

conta-se que ao sétimo dia, criadas que estavam todas as coisas do Céu e da Terra, Deus foi descansar e maravilhar-se com a obra criada. 
porque hoje é domingo, sétimo dia, e eu ando cansada das coisas da Terra, pus-me a pensar como seria possível criar algo que tivesse a ver com o Céu. 
desde o verão que tinha um saco de conchas, apanhadas na praia pela minha filha mais nova, quase todas partidas, porque a Luísa prefere as conchas partidas às outras perfeitas, inteiras
  coitadas, mãe, estas também têm direito e quase ninguém gosta delas e eu tenho pena, sabias?
e outro saco com paus de pinheiro, também apanhados no verão, mas por mim e no campo. hoje, domingo, dia do descanso de Deus e dia de os homens espantarem cansaços acumulados durante a semana, peguei nos paus e nas conchas e convidei as minhas filhas mais novas para espantarmos os espíritos que sentia rondarem-me. a Madalena estava amuada e não quis, mas a Luísa concordou de imediato e então fomos lá abaixo, ao chinês que nunca descansa e que não sei se partilha da história do sétimo dia e das coisas criadas por Deus no Céu e na Terra, mas que tem sempre um sorriso nos lábios e que nos vendeu prontamente um rolo de corda por noventa cêntimos. depois foi só montar a bancada, pegar no black&decker para furar o pau e as conchas e deitar mãos à obra.
à medida que as ia furando, os maus espíritos iam partindo e sentia que os bons iam chegando. lembrei-me então de umas contas de vidro que tinha guardadas - e essas não sei de onde vieram - e fui buscá-las e a Luísinha ajudava-me a ajustar a bancada à medida das conchas e proibi-a de mexer no berbequim e a Madalena continuava amuada, deitada na rede, e de vez em quando espreitava-nos para dizer
  isso está a ficar mesmo mal.
a seguir, foi enfiar a corda nos buraquinhos do pau, depois as conchas, as contas e os espíritos - maus - espantando-se com a criação de tanta simplicidade, no dia que Deus reservou ao descanso. quando a obra ficou acabada, a Luísa quis ir mostrá-la à Francisca - a mana mais velha - que disse
 boa, ficou mesmo querido.
e então pendurámos o espanta-espíritos ao alcance do sol e tirámos uma fotografia e depois fomos pô-lo onde, a partir de hoje, vai ficar, numa parede do hall da entrada. pode ser que, assim, os espíritos maus não se atrevam mais a entrar cá em casa... ou, pelo menos, que não o façam com tanto à vontade...

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