terça-feira, 8 de maio de 2012

atiras-te


na direcção dos meus braços e não tenho como não te acolher. há muito tempo que dizes que os abismos te atraem, que passas os dias à beira de precipícios, arribas, falésias, que é para tudo aquilo que te provoca vertigens que corres. mostro-te o disparate que é gostar do assombro quando nele não existe mistério nenhum, apenas lacunas, a inutilidade de te vires despenhar no meu colo com a estúpida esperança do caos...
há uma ordem na pele, ou não sabes?, uma elasticidade nos músculos, uma espécie de amparo na matéria que não permite que as almas se matem, um desígnio qualquer que impede que morram, por mais que os teus ossos estalem de encontro aos ossos do tempo e, mesmo assim, tu atiras-te. atiras-te à espera que eu feche os braços, 
é isso? 
à espera que o precipício te engula, que no chão da falésia o mar te dissolva e que seja a espuma, muito mais do que o sangue, a substância que irá dar brilho às estrelas.
atiras-te, 
vê só que ironia!, 
como se os braços não fossem os teus, afinal, não reparas sequer na penugem que os cobre, como se as asas humanas da mortalidade não pudessem cumprir o desejo que tens de voar, voar em vez de cair, voar em vez de atirar com o corpo para o fundo de um poço que o espaço não tem, voar em vez de mentir e ainda ontem te disse que é só na verdade que posso acolher-te, 
ou não disse? 
já te falei mais de mil vezes nas crenças que temos, mas que não passam disso, mostrei-te lugares que nem as palavras sabem dizer, acolhi-te de todas as vezes em que te atiraste, imagino que na expectativa de adivinhares o futuro e vê só no que deu, repara como é inútil fugir ao presente, a não ser para rapidamente o transformares em passado sem que o tenhas vivido, provado, sem teres saboreado um único dia de chuva, tal era a ansiedade com que esperavas pelo sol,
faz sentido?
é provável que não, que para quem nos veja de fora não faça sentido nenhum, que ninguém compreenda do que falamos, nós duas, quando uma se atira nos braços da outra e a outra não tem como não se acolher a si própria e o disparate que é,
estás a ver?
gostar do assombro quando nele não existe mistério nenhum.

1 comentário:

  1. Que bom que é, Prima Inês,
    ler-te.. e ir descobrindo-te.

    Gosto muito.

    Um Beijinho

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